O funcionário público Paulo Cerva, 55 anos, pintou as paredes de casa de cores escuras, diminuiu o brilho da TV e evita, sempre que pode, ir ao dentista – por medo da luz forte e direcionada. Para a capixaba Viviane Silvestre Ferreira, 42 anos, viajar de carro durante o dia se tornou um perigo: ela acaba prestando mais atenção às sombras do que à estrada. Ela prefere a noite para sair, trabalhar e até para ler.
As “moscas” que poluem a visão de algumas pessoas (é esse o termo que a maioria delas usa para descrever o problema) aparecem assim, de repente. A estudante de enfermagem Cassia Ozório Bittencourt, 28, lembra da primeira vez que as viu: tinha 17 anos.
– Parecia um fio de cabelo bem pequeno, quase transparente – lembra, acrescentando que saiu correndo para o banheiro para lavar o olho, sem conseguir tirar a “sujeirinha”.
Trata-se, na verdade, de “moscas volantes”, ou pequenos pontos escuros que aparentam se mover diante de um ou de ambos os olhos. A maioria das pessoas que têm o problema relata que elas podem ter a forma de círculos, de filamentos ou teias de aranha. Costumam ser percebidas lendo, quando se olha para uma parede vazia ou diante de muita luz.
Os relatos quase sempre envolvem formas de animais. Quanto mais iluminado um ambiente, mais elas se fazem presentes. Como parecem externas ao olho, à primeira vista podem de fato ser confundidas com um inseto. Segundo especialistas, essas manchas se formam quando o vítreo, a camada gelatinosa do olho, se condensa.
Com a idade, o vítreo fica mais líquido e aparecem essas condensações. Quando elas se precipitam, formam uma espécie de barreira, que projeta uma sombra na visão em lugares iluminados.
Estímulo visual do próprio olho
Em oftalmologia, as moscas volantes são consideradas um fenômeno entóptico, ou seja, um estímulo visual cuja fonte é o próprio olho. Acontece, por exemplo, quando uma pessoa enxerga os próprios vasos ou glóbulos sanguíneos. Em outras palavras, a pessoa está enxergando a materialidade do próprio olho.
O oftalmologista José Amadeu Vargas, chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital São Lucas, em Porto Alegre, acredita que é possível, sim, se esquecer delas:
– Quando o cérebro se adapta, a pessoa nem as percebe mais. Agora, se ficar procurando, olhando para um fundo branco ou o céu claro, vai vê-las.
Velho fenômeno “mítico e espiritual”
Moscas volantes são um problema antigo. Há relatos dessa condição que remontam há mais de 2 mil anos. Na Suíça, estudos indicaram que elas foram reproduzidas como símbolos abstratos na arte egípcia e que civilizações antigas as interpretavam como um fenômeno mítico e espiritual.
Um estudo publicado nos anos 1990 pelo oftalmologista alemão Hubertus Plange mostra que as circunstâncias de seu aparecimento já haviam sido estudadas no século 2 d.C. pelo médico e filósofo Galeno de Pérgamo. Segundo um artigo do The College of Optometrists, referência em oftalmologia no Reino Unido, sua causa só foi descoberta no século 19 pelo médico checo Johannes Purkinje, o primeiro a identificá-las como opacidades na camada gelatinosa do olho.
Não há levantamento oficial sobre a incidência das moscas volantes em brasileiros. Mas, segundo os oftalmologistas Paula Gabriela dos Santos e José Amadeu Vargas, a presença é relatada constantemente nos consultórios. No Hospital São Lucas, Vargas registra cerca de 10 queixas por semana. Para Paula, por não se tratar de uma condição que compromete a visão, o problema não recebe tanta atenção dos pesquisadores.
– Muitas pessoas enxergam as moscas, mas não vão ao oftalmologista. É um problema muito comum – afirma.
Segundo a médica, existem procedimentos que podem corrigir as opacidades do vítreo, como cirurgias a laser (vitreólise) e de remoção do vítreo (vitrectomia), mas nem todos os oftalmologistas recomendam, por serem técnicas agressivas ao olho.
– Isso é questionado em congressos. A vitractomia é mais invasiva do que uma cirurgia para catarata – diz Paula.
Mesmo sem perspectiva de cura efetiva, os pacientes mantêm as esperanças.
– Quem inventar um óculos para isso vai ficar rico – brinca Paula.